Por Soren Knudsen
Fotografias Marcos Piffer
Fotografias Marcos Piffer
As Belas Irmãs
Thereza e Carmen Cochrane Suplicy eram duas dos oito filhos de Luiz Suplicy. Charmosas, esportistas, bem-educadas e de família estabelecida, eram musas de verão cobiçadas pelos jovens da sociedade santista. Suplicy estabelecera a corretora de café e algodão, Escritório Suplicy, em Santos, em 1879. A Rua XV de Novembro, sede dos escritórios de café, era tão movimentada quanto a Wall Street de Nova Iorque. O porto de Santos era onde as notícias, novidades e tendências desembarcavam do exterior para se expandir pelo Brasil.
Thereza e Carmen Cochrane Suplicy eram duas dos oito filhos de Luiz Suplicy. Charmosas, esportistas, bem-educadas e de família estabelecida, eram musas de verão cobiçadas pelos jovens da sociedade santista. Suplicy estabelecera a corretora de café e algodão, Escritório Suplicy, em Santos, em 1879. A Rua XV de Novembro, sede dos escritórios de café, era tão movimentada quanto a Wall Street de Nova Iorque. O porto de Santos era onde as notícias, novidades e tendências desembarcavam do exterior para se expandir pelo Brasil.
Nos anos vinte, a elite do café
começou a construir casas abertas e arejadas em estilo art nouveau, que
ocupavam quarteirões inteiros irradiando da Praça da Independência. As modestas
chácaras, que até então haviam servido de refúgio de verão, agora davam lugar
aos suntuosos palácios de prazer nos quais se organizavam festas black-tie
para a borbulhante sociedade que compunha Santos. Inglês, francês e alemão se
misturavam ao ritmo do Charleston e do Jazz. Nesse meio, os jovens Tom e Victor
conheceram Thereza e Carmen. Foi tiro e queda. Apaixonados, Tom casou-se com
Thereza e Victor com a irmã Carmen.
Tom Blake
Enquanto Tom construía a vida junto à sua amada Thereza e Victor com Carmem, outro Tom, esse Blake, construía o que seria o futuro do surfe no lado oposto do planeta. Tom Blake – waterman extraordinário –, nadador olímpico americano, conheceu Duke Kahanamoku – o pai do surfe moderno – em competições de natação. Impressionado pela destreza do havaiano, acompanhou-o para o Havaí, onde começou a surfar.
Enquanto Tom construía a vida junto à sua amada Thereza e Victor com Carmem, outro Tom, esse Blake, construía o que seria o futuro do surfe no lado oposto do planeta. Tom Blake – waterman extraordinário –, nadador olímpico americano, conheceu Duke Kahanamoku – o pai do surfe moderno – em competições de natação. Impressionado pela destreza do havaiano, acompanhou-o para o Havaí, onde começou a surfar.
Enquanto no Havaí, estudou,
reformou e aperfeiçoou as pranchas dos antigos havaianos, replicando e
melhorando os designs e, assim, se tornando o primeiro designer
de pranchas da era moderna do surfe. Inventou a prancha de windsurfe, desenvolveu
muitas das técnicas e equipamento de salvamento no mar que os salva-vidas usam
até hoje e escreveu o primeiro livro sobre o surfe – Hawaiian
Surfboard.
Blake construiu a primeira
máquina fotográfica à prova d’água para uso no surfe. Com as suas fotografias
inéditas, começou a divulgar o esporte por meio de artigos que apareceram na National
Geographic e no Los Angeles Times e, em 1931, passou a fabricar as
suas pranchas patenteadas “Tom Blake Approved”.
Duke e Blake fizeram com que o esporte se espalhasse pelo mundo. Duke como o eterno embaixador do surfe e Blake como o inovador técnico. É Blake quem define tudo que conhecemos da vida de surfista, pelo seu estilo, seus designs de pranchas, sua maneira de vestir e de surfar.
Os SurfistasDuke e Blake fizeram com que o esporte se espalhasse pelo mundo. Duke como o eterno embaixador do surfe e Blake como o inovador técnico. É Blake quem define tudo que conhecemos da vida de surfista, pelo seu estilo, seus designs de pranchas, sua maneira de vestir e de surfar.
Para acompanhar esse interesse pelas paradisíacas ilhas dos Mares do Sul e seus destemidos watermen, revistas como a Popular Science, Modern Mechanix and Inventions e Popular Mechanics publicaram os famosos artigos DIY – do it yourself. Neles, explicavam em detalhes como se construía a prancha de Blake e, com isso, praias no mundo inteiro viraram espelho do estilo de vida dos beach-boys de Waikiki. Não demorou muito para que os filhos do café de Santos também tivessem acesso aos planos de Blake por meio das revistas que os seus pais traziam dos Estados Unidos quando viajavam a negócios.
A primeira tribo de surfistas
em Santos e no Brasil foi composta pelos amigos Thomas e Margot Ritscher, Osmar
Gonçalves, Sylvio Malzoni e Jua Hafers. Jua era sobrinho de Tom Simonsen.
Sua mãe Helena era irmã de Thereza Suplicy Simonsen. O seu tio Tom, que
cultivava a marcenaria como hobby, mantinha uma carpintaria completa nos
fundos de sua confortável casa na Ana Costa para satisfazer os mais minuciosos
detalhes de suas criações. E foi lá, durante os finais de semana, que a turma
se instalou junto ao tio Tom e seu amigo Júlio Pulz para adequar a prancha de
Blake para o mar de Santos. Como Blake, acrescentaram quilhas e adaptaram as
dimensões e shapes para seus gostos e estilos.
Com essas pranchas, os jovens
pioneiros, esses primeiros watermen Thomas, Osmar, Jua e a
primeira waterwoman Margot, iniciaram a história do surfe no Brasil,
“andando sobre as ondas” nas tranquilas águas da praia do Gonzaga. Nos
descontraídos verões, surfaram juntos por vários anos, até que a vida os levou
a direções diferentes. Mesmo afastados um do outro, nunca perderam a amizade
construída no mar e nunca ficaram longe da água.De Alma
Tarde de terça-feira. Horário de verão. O sol já terminando o seu expediente. Com a prancha debaixo do braço, atravesso a avenida da praia, lotada de ônibus, carros e motos que fazem malabarismo entre o trânsito apertado. Na ciclovia, garotas de piercings, rebeldes, testam o limite da sua liberdade nos seus skates estilo long. O relógio digital na avenida marca 29 graus e 18h30 horas. Peço proteção à Iemanjá, entro no mar e remo em direção ao Posto 2.
Mesmo antes de chegar,
acompanho as linhas fluídas desenhadas por um dos mestres da arte do pranchão.
Me encaixo no “pico” para esperar a primeira onda. Logo, um dos maiores legados
dos watermen santistas se junta a mim, Cisco Araña, surfista de alma. É
ele quem me conta a história dos “pioneiros”.
Cisco é filho de ilhéu e
nascido ilhéu. Tem água do mar nas veias. Vem de uma longa linha de surfistas
da Rua Maranhão, liderada pela família Hirano, tradicionais pioneiros e mestres
do judô. Para satisfazer a vontade dos filhos Cisco e Tato, sua mãe Dona Iris
comprou uma prancha de Jo Hirano. Sob a tutela do seu primo Fausto Osny, Cisco
entrou no mar do Canal 1 em 1968 e não saiu dele até hoje.
Uma vez batizado com a água
salgada, nunca mais parou de surfar. Participou dos surf-safaris pelo
nosso Litoral Norte quando ainda era de difícil acesso e antes que a Rio-Santos
o mudasse para sempre. “Era uma aventura mesmo” sorri. “Quem não pegou a
serrinha de Boiçucanga em dia de chuva não sabe. Era estrada de terra e praia
para chegar até Maresias”. Surfou no Havaí, Peru, França, Califórnia e
desfrutou das longas ondas do point break de Aguineguim, num retorno
triunfal para terra natal de seu pai, o Sr. Francisco, nas Ilhas Canárias.
Mas foi em Santos que realizou
o sonho de muitas pessoas quando assumiu a coordenação da primeira escola de
surfe pública do Brasil – a Escola Radical de Surfe de Santos. “Tenho muito
orgulho pelo que a escola representa e pelo que faz há vinte anos para as
pessoas com necessidades especiais”. Cisco também foi um dos responsáveis por
introduzir a disciplina surfe em universidades no Brasil e desenvolveu a
primeira prancha de surfe para cegos do mundo. “Aprendi o surfe com grandes
mestres e tento passar os seus ensinamentos para aqueles que me rodeiam”. Como
Tom Blake, Cisco vive no mar e vive do mar.
“Foi aqui, na praia em frente à
Rua Maranhão que, muitos anos mais tarde, eu conheci a minha esposa Paula. Para
mim, a vida recomeçou. Por ela, recebi o melhor presente da minha vida, a minha
filha Nicole. Realmente, tenho sorte de estar perto daquilo que mais amo. A
minha família, o mar e o surfe. O surfe é, sem dúvida, a melhor forma de
expressar o amor que existe em mim. Através dele, tento levar a vida e é por
ele que imagino um mundo melhor para a Nicole”.
Os refletores da praia acendem
e os surfistas começam a sair da água. Escolhemos uma série para servir de saideira.
Já na areia, olho para o mesmo mar que Thomas, Margot, Osmar e Jua desbravaram
há tantos anos atrás naquelas calmas tardes de verão. Os casarões alegres já se
foram, como também as cabines de banhistas. Em 1976, o mítico Parque Balneário
foi derrubado. Muitos consideram isso como o marco do fim da era de luxo da
praia do Gonzaga.
Mas, para os watermen de
Santos, a história do mar não tem fim. O legado daquela primeira tribo de Osmar
é testemunhado pelas canoas na Ponta da Praia nos fins de tarde de sábado,
pelas dezenas de stand-ups explorando as entradas do costão rochoso além
da Ilha das Palmas, pelas centenas de surfistas aproveitando ondas no horário
de verão e pelos kite-surfers correndo frente ao vento em dias de
ressaca. Somente existem novos capítulos a serem escritos.
Acompanho o Cisco em direção à
Escola Radical. Aos últimos raios de sol a garota, pranchinha debaixo do braço,
caminha em direção ao canal 1, e lança um olhar caprichoso. Ali, frente ao mar,
encostado no seu pranchão, Osmar Gonçalves nos espera com um sorriso
satisfeito. Ao Cisco pergunto como descreveria o surfe. Ele, que se criou e
que, junto com a sua querida Paula, também cria a sua filha Nicole sobre as
ondas, olha para o espetáculo que se desdobra ao nosso redor. Profundo
conhecedor do mar e waterman nato, aperta os olhos e sem pensar abre um
sorriso: “Paixão!!!”.
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